Dra. Maria Ângela Zacarelli fala sobre doenças causadas pela poluição do polo petroquímico

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A professora de endocrinologia da Faculdade de Medicina do ABC, Dra. Maria Ângela Zaccarelli Marino esteve na região de São Mateus nos dia 23 de agosto e 05 de setembro onde deu explicações sobre o grave problema de saúde pública que vem afetando o distrito de São Mateus e parte das cidades de Santo André e Mauá. A iniciativa de sua vinda ao local com grande de público, agentes de saúde e autoridades foi do candidato a deputado estadual Adriano Diogo (PT).
Doutora Maria Ângela possui doutorado e mestrado em Endocrinologia pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professora da Faculdade de Medicina da Fundação ABC, médica neuroendocrinologista – Real e Benemérita Sociedade de Beneficência Portuguesa e endocrinologista e neuroendocrinologista do Instituto Neurológico de São Paulo. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Endocrinologia e demonstrou profundos conhecimentos sobre o assunto.
Pesquisando desde 1988 os casos de tireoide na região, descobriu que havia grande incidência da Tireoidite de Hashimoto, doença incurável, que se não tratada pode levar ao coma e à morte. Em crianças, pode gerar retardo mental e problemas de crescimento, ou seja, um grave problema de saúde pública causada, segundo estudos feitos por pesquisadores tendo a médica entre eles, pela poluição oriunda da produção das indústrias do Polo.
Fiquemos com um resumo da fala da médica pesquisadora durante o encontro. “Sou médica e agradeço o convite feito pelo Adriano Diogo para falar com vocês e explicar um pouco sobre o nosso trabalho nesses 28 anos em que estamos na região. Nossa função é cuidar de todos e por vezes esse cuidar tem muito a ver com cuidar também do meio ambiente, como tentarei demonstrar”, iniciou a Dra. Ângela.
Quando iniciamos nosso trabalho aqui na região lá trás, encontramos uma doença que na ocasião nem era muito conhecida, a tireoidite crônica autoimune, que podemos simplificar para uma inflamação. A função da tireoide é produzir uma glândula essencial e a sua inflamação que é quando deixa de produzir não há possibilidade de remissão.
O que acontece com a doença é uma agressão ao nosso organismo que não consegue se defender. Ele até se defende, mas não de forma satisfatória, de maneira errada e faz mal para ele mesmo. Essa é uma definição mais simples do que significa autoimune.
Lá trás quando estudava endocrinologia dizia-se que essa doença era rara em crianças e adolescente e também em homens. Era mais comum em mulheres, mas na região, eu no exercício da medicina, estava diagnosticando a doença exatamente onde seria mais raro o que me levou a pesquisar e estudar por anos o assunto quando já sabíamos que a tireoidite crônica autoimune, não tem tratamento, e não tem como removê-la do corpo. Além de ser agressiva ela pode causar outra doença, o hipotireoidismo.
Faz 28 anos que estou na região pesquisando e estudei a história da região, como foi sua ocupação e as consequências da interferência no meio ambiente que é um ponto muito importante. Percebi que a maioria dos casos detectados vinha das mesmas regiões onde, entre 1956 e 1989, a instalação das indústrias no país foi intensificada o que me levou como, a outros pesquisadores, a estudar o meio ambiente. ‘O “progresso tem que vir, mas tem que vir sem prejuízo do meio onde vivemos”. Estudamos o que produziam as indústrias, estudamos a respeito do petróleo e das indústrias químicas e os efeitos da poluição na região.
Durante todo esse período de estudos é natural que se saiba cada vez mais que a emissão de organoclorados, através da fumaça e fuligem das chaminés das indústrias do polo, levadas pelas correntes de ar vão se depositando por toda parte mais próxima, e são esses organoclorados o causador da doença. São milhares de organoclorados diferentes como resultado da produção, entre estes, muitos causadores de diversos tipos de doenças, entre estas, a que estamos abordando.
Uma entre outras metodologias de pesquisa foi feita com a coleta de casca de árvores na região e onde detectamos a presença de materiais pesados, chumbo, enxofre e outros, por exemplo, em concentração acima do suportável quando já sabíamos que essa concentração envolve casos de hipotireoidismo. Estudamos as árvores que tem uma complexidade compatível com a necessidade do estudo e era uma forma até mais barata de estudar. Nesse ponto e outros, temos que agradecer o auxilio precioso de outros pesquisadores, alunos e moradores que foram nos ajudando.
Alguns dos elementos encontrados nesse estudo são mutagênicos, ou seja, tóxicos para o meio ambiente e poderiam causar a multiplicação da célula errada que gera o câncer. Todos esses trabalhos foram comprovados e publicados. Atualmente tem vários trabalhos publicados sobre poluição no Polo Petroquímico de Capuava.
Finalizando a exposição que foi muito mais rica do que conseguimos reproduzir a Dra. Ângela chamou a atenção para a importância imensa que tem os cuidados com o meio ambiente, o estudo dele, a melhoria nos modos de produção de forma sustentável, na mudança de costumes desde as pessoas até as atividades para que haja sustentabilidade planetária e seja possível continuar se produzir sem prejuízo da saúde pessoal e ambiental. Resumo: é preciso reforçar a consciência ambiental em todas as pessoas e setores.
Ouvintes perguntam e a pesquisadora responde
Assim que concluiu sua exposição, Adriano Diogo coordenou alguns instantes de perguntas, sugestões e dúvidas entre os presentes. A vereadora e atualmente candidata a Câmara Federal pelo PT, Juliana Cardoso que há tempos desenvolve trabalho entre as comunidades, também a esse respeito, lembrou que as empresas envolvidas têm recursos impressionantes e nunca oferecem contrapartidas aos efeitos nocivos de suas atividades. Destacou que as comunidades e regiões envolvidas apresentam muitas carências, inclusive na área da saúde mesmo, por motivos diversos, e que essa situação é injusta e precisa ser alterada.
Dra. Ângela lembrou que existem alguns esforços de promotores de Justiça com inquéritos públicos civis ainda andamento e que se aguarda o desdobramento disso. Sabe que entre as medidas e solicitações nos inquéritos, está a possibilidade de estabelecer que se obtenham recursos para ajudar as populações afetadas.
Outra pergunta era sobre se a médica tinha outras sugestões para melhorar a situação, além dos protocolos já em uso. Doutora Ângela indicou que existe uma sobrecarga de atendimento de pessoas que precisam ser examinadas e que os exames que precisam ser feitos não são corriqueiros e são caros. Outra orientação é para que os profissionais de saúde da região peçam os exames corretos para se antecipar os tratamentos.
A nossa ideia é pensar formas de prevenção, de cuidar para que não tenham a doença e isso, insisto, seria cuidando do ambiente, porém não temos meios sozinhos de modificar a situação. Aguardemos o desdobramento do que está no MP.
Existem outras formas de produzir, se viáveis ou não, são muitos fatores que as indústrias consideram, mas existe a química orgânica, mais complexa. Existem ainda estudos de profissionais da química sugerindo mudanças que podem ser feitas; existem também possibilidades de colocar filtros específicos nas chaminés e etc. Ou seja, precisamos cuidar do meio ambiente e ter como foco principal evitar a doença. (JMN)

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