Solte pipa! Conheça o movimento dos “pipeiros” no Brasil, a história da Pipa no mundo e por quê essa brincadeira é importante na infância

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Se você tem mais de 30 anos, quando pensa em pipa provavelmente isso te traz alguma lembrança da infância, onde algum familiar querido te ajuda a montar e a empinar uma pipa colorida no céu. E você lembra a sensação de liberdade que dava quando ela levantava vôo? Em tempos de pandemia, com todo mundo fechado dentro de casa, empinar pipa, seja da varanda ou do quintal, pode ser muito mais do que uma terapia e um momento de reconectar pais e filhos. Mostra o quão importante essa brincadeira tão simples é para a infância e o quanto ela precisa ser valorizada em tempos de tablets e celulares.

Eu sou um apaixonado pelo eolismo, a arte de fazer e empinar pipas. Sou ex-técnico de aeronáutica e dediquei minha vida ao estudo e a confecção deste objeto, que é paixão de muitas crianças e, o que muita gente não sabe, é a de muitos adultos. São quase 50 milhões de brasileiros de todas as idades dedicados ao eolismo.

Você sabia que as pipas não nasceram como brinquedos? Elas foram os primeiros objetos a voar usando apenas a força do vento, sem motores, e foram inventadas na China há mais de 2000 anos – alguns estudos remontam de 6 mil anos –  feitas de seda e bambu, e eram usadas para trocar sinais nos campos de batalha, durante guerras.

Foto  Ewerton Varga

Também na China as pipas foram usadas por motivos religiosos, pois as pipas subiam aos céus para que o povo falasse mais de perto com seus deuses, e também para atrair sorte, prosperidade e outros desejos, de acordo com os desenhos que eram feitos nas pipas.

Com o tempo, a invenção chinesa chegou ao Ocidente. O artista renascentistaLeonardo da Vinci, da Itália, fazia muitos desenhos de máquinas e engenhocas, e entre seus desenhos existem cerca de 150 máquinas voadoras inspiradas em Pipas.

Claro que muita gente tentou fazer pipas gigantes para voar nelas. Em 1894 o oficial britânico B.F.S. Baden-Powell, irmão do fundador do escotismo, fez uma pipa gigante de tela de algodão e armação de bambu e conseguir planar a 11 metros do chão.

Em 1895 ele criou o Levitor, uma engenhoca com quatro a sete pequenas pipas presas umas às outras que suspendia o piloto até uma altura de 30 metros, mas dependia de ventos fortes.

Até mesmo o pai da aviação era um apaixonado por pipas. O 14-bis, de Alberto Santos-Dumont, era um sofisticado aeromodelo de pipa com motor.

Além de transporte, as pipas foram usadas como ferramenta para a ciência, principalmente para o estudo do clima. Elas foram usadas, por exemplo, para determinar as variações de temperatura nas diferentes altitudes: usavam uma série de pipas presas numa mesma linha, cada uma carregando um termômetro.

Vamos lembrar que foi empinando uma pipa com uma chave na linha, num dia de tempestade, que o cientista Benjamin Franklin inventou o pára-raios. 

Fotos Ewerton Varga

A pipa no Brasil

No Brasil, a Pipa chegou por volta de 1596, junto com os Portugueses, que tinham conhecido a Pipa em suas andanças pela China. Mas há pesquisas que mostram que a pipa já voava na África e que os escravos podem ter trazido o hábito para o Brasil: sentinelas do Quilombo dos Palmares usavam pipas feitas de folhas e palitos para avisar a chegada de algum perigo, um sinal de que a pipa já voava também na África.

No Brasil, hoje, o tipo de pipa mais difundido é o de papel com varetas de bambu ou de fibra. Como ninguém tem varetas de fibra de carbono nem náilon lá pelas cidades pequenas do interior do Brasil, a gente se adapta às condições locais. Fazemos pipas até de saco de lixo e jornais velhos.

Temos trabalhado muito para difundir e fazer crescer esse setor aqui, já que fora do Brasil temos grandes associações, campeonatos e um mercado que movimenta muita gente e patrocínios. Por aqui temos associações, ligas e equipes em todo o Brasil, contamos com a Associação de Pipas do Estado do Rio de Janeiro (Aperj) e a Associação Brasileira de Pipas (ABP) em São Paulo, que organizam campeonatos, revoadas, oficinas e apoiam projetos sociais em periferias, arrecadando alimentos, cadeiras de rodas, fraldas e itens de higiene.

Também tem crescido muito o número de canais e mídias que se dedicam ao mundo das pipas, como o canal Geral do Relo, que tem várias matérias sobre o setor.

O mundo das pipas também está se movimentando politicamente – tivemos a criação do Dia das Pipas (29 de Junho) e a criação da Lei 7.870 pelo governador Luiz Fernando Pezão em 2018 que tornou a pipa patrimônio cultural, histórico e imaterial do Rio de Janeiro.

Mas o mundo das pipas quer ter voz própria e participar ativamente da criação das leis que nos afetam, queremos ter voz nas câmaras e assembleias das cidades. Já contamos com a “Bancada da pipa”, que terá candidatos concorrendo nas próximas eleições, para nossa causa crescer e ganhar o respeito da sociedade.

Isso é essencial para que possamos colocar em pauta temas como a informalidade  – a maioria das pessoas que se dedicam ao comercio e construção de pipas e acessórios são informais – e a alta de espaços para podermos realizar nossos eventos e atender crianças e adultos que precisam de locais adequados para praticar essa atividade mágica e milenar.

Afinal, em uma pipa, é possível ter noções de geometria, física e matemática. É um brinquedo simples e acessível, pode-se fazer com o que temos em casa.

É uma brincadeira que conecta gerações, com conhecimentos que passam de pais para filhos, e que promovem bons momentos em família. Estimula habilidades motoras, afasta das telas e da tecnologia e btraz de volta um pouco do trabalho manual, tão abandonado nos dias de hoje.

Além disso, não é bom só para as crianças. Você vai ver que empinar pipa faz você jogar o stress todo ao vento, algo essencial nos tempos difíceis em que vivemos.

Por isso, deixo aqui o meu convite: que tal empinar uma pipa com seus filhos hoje?

Por Silvio Voce

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